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"Migrantes são retratados como semianalfabetos e pobres", diz pesquisador

  • Wagner Maciel
  • 14 de set. de 2022
  • 4 min de leitura

Atualizado: 27 de set. de 2023

Professor Durval Muniz comenta que a imagem do migrante nordestino raramente reflete os intelectuais que vieram ao Sudeste nessa condição; estereótipos de atraso da região Nordeste e de seus habitantes prevalecem no imaginário popular, ainda que de modo equivocado




Os estudos sobre migração, por via de regra, retratam o migrante como aquele homem pobre, trabalhador que deixa sua família e sua terra rumo a melhores oportunidades de trabalho em outra região. Esses trabalhos nem sempre contabilizam pessoas que pertencem as elites intelectuais, políticas e econômicas que também abandonam seu espaço por outras razões e que contribuíram com a construção cultural e do pensamento crítico da população.


Esse esclarecimento de ideias sobre a dispersão nordestina foi dado por Durval Muniz de Albuquerque, professor do departamento de história da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e autor da obra “A invenção do Nordeste e outras artes”. Filho de pai migrante paraibano e mãe paulista, Muniz se debruça a conhecer a região Nordeste desde a sua formação, ou melhor, de sua criação.


Sua tese de doutorado contém mais de 1000 páginas de material histórico e sociológico e rendeu um livro e uma peça teatral que levam o mesmo nome. Os trabalhos abrangem detalhes sobre a área, antes chamada apenas de Norte. O recorte regional ‘Nordeste’ – espaço entre Norte e Leste - era inexistente até o início do século XX, quando o Brasil era dividido em Norte e Sul. Isso explica o motivo pelo qual muitos cidadãos ainda apontam a região e seus habitantes como Norte e Nortistas, respectivamente.

A primeira aparição do Nordeste como território ocorre em 1919, no documento de criação da Inspetoria Federal de Obras Contra Secas (IFOCS), apontando qual a área de atuação da autarquia na região que vinha sendo castigada pela falta d’água. A partir de então, inicia-se um trabalho por parte da alta sociedade da região de lutar a nível nacional por políticas que os favorecessem em meio a ascensão das elites paulista e mineira.


Posteriormente, a visualização do Nordeste como espaço ganha um conceito mais amplo entre as pessoas. Esse pensamento engloba questões como clima árido, o cangaço e o fanatismo religioso como verdades absolutas, fatores que alimentaram o preconceito e a estereotipagem para com os cidadãos nascidos nos nove estados que compõem a região.


O passar das décadas não foi o suficiente para recriar a figura do nordestino no imaginário coletivo. Professor Durval explica que, mesmo grandes figuras da cultura, do pensamento literário e da política são comumente deixadas de lado nos relatos da migração.


“Normalmente os migrantes são retratados como homens semianalfabetos e pobres que vão trabalhar na construção civil ou como porteiros, enquanto as mulheres são aquelas que hão de trabalhar no serviço doméstico”, argumenta o historiador.

Muniz ressalta o impacto que intelectuais e lideranças tiveram na sociedade em suas épocas e cita nomes como Djacir Menezes, jurista que se tornou reitor da UFRJ; Raquel de Queiroz, a primeira mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras; Luiza Erundina, primeira prefeita da esquerda do estado de São Paulo.


O professor lista uma sequência de nordestinos que marcaram sua geração pela contribuição não braçal, mas intelectual: “se vermos quem são os grandes autores da literatura brasileira nos anos 30 são os chamados ‘búfalos do Nordeste’ por Oswald de Andrade, temos personalidades como Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado. Todos autores dessa região. Além de grandes nomes do teatro, das artes, da poesia, como Ariano Suassuna, ensaísta e dramaturgo autor de O alto da compadecida. O Nordeste tem uma enorme contribuição para a vida intelectual e cultural brasileira, mas essas pessoas não são contadas como retirantes”.


O aprofundamento na vida acadêmica levou o professor Durval Muniz a uma posição de referência como historiador. Ainda assim, ele comenta ter sido desdenhado por alguns de seus familiares quando demonstrou interesse em seguir a vida de pesquisador.


“Após concluir meu curso de história na Paraíba, resolvi fazer minha pós-graduação em São Paulo, na Unicamp, para incredulidade de meus familiares paulistas que não acreditavam que alguém formado na Paraíba passaria em uma universidade em São Paulo. No processo de seleção, passei na segunda colocação.”


Não fosse suficiente a descrença por parte dos parentes paulistas que carregavam no imaginário a imagem estereotipada do Nordeste, como um lugar que tem apenas mato e cobra por todo lado. Muniz relembra que durante seu curso de mestrado a situação vivenciada era semelhante. “Muitas vezes fui olhado de cima a baixo na faculdade. Lembro-me de uma colega que um dia, quando soube que eu sou paraibano, me perguntou se a Paraíba fica lá em cima do mapa. Respondi ironicamente a ela que sim, está lá em cima assim como o Canadá e os Estados Unidos, tamanha imprecisão geográfica presente na pergunta dela”, relembra.


“Eu vivenciei esse encontro de duas partes do país que são sempre vistas como opostas. São Paulo é visto como urbano e moderno, o Nordeste atrasado e rural. Toda a minha vida eu vivi com isso e esse fato me motivou em meu trabalho”, finaliza.

 
 
 

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