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Jornalista viaja pelo Ceará a fim de descobrir suas origens

  • Wagner Maciel
  • 14 de set. de 2022
  • 4 min de leitura

Atualizado: 27 de set. de 2023


Filha de migrantes, Mônica Saraiva decidiu fazer um "mochilão" pelo Ceará, estado de sua mãe, para descobrir mais sobre a história de sua família que foi participante do processo de migração


Vista por muitos como um símbolo da diversidade cultural que há no país, São Paulo foi centro do grande contingente de migrantes nordestinos em fuga da fome, da seca e da desigualdade enfrentados em sua terra natal. Entre os viajantes recém-chegados na “Terra das oportunidades”, estavam Vicente Saraiva e sua esposa, Margarida Martins, dois jovens do sertão do Ceará que nos anos 70 deixavam a cidade de Pereiro para uma vida completamente nova em uma terra distante e, até então, desconhecida.


Ao chegar em São Paulo, o casal passou a trabalhar no comércio, como muitos de seus conterrâneos igualmente fizeram. Andavam pelas ruas da grande São Paulo vendendo roupas. Essa narrativa não foi contada por Vicente ou por sua esposa, mas pela jornalista e documentarista Mônica Saraiva, 34, filha caçula do casal: “meus pais chegaram em São Paulo nos anos 70, exatamente com aquela esperança de conseguir emprego e uma vida melhor, afinal aqui era a ‘terra da oportunidade’. Naquela época, meu pai só tinha 20 anos de idade e minha mãe 17”.


Diferente de seus pais, Mônica chegou em São Paulo ainda bebê. Cresceu na capital, onde atualmente mora e acompanhou toda a trajetória de Vicente e Margarida no comércio pelas movimentadas ruas de Sampa. Ela conta que seus pais se deslocaram por diferentes pontos da cidade, como Diadema, Jardim Peri e Vila Brasilândia.

“O interessante desses deslocamentos é que, onde quer que meus pais moraram, havia uma grande população de migrantes. Isso reflete esse volume de nordestinos presentes em São Paulo”, comenta Mônica.

Com o passar do tempo, Vicente e Margarida alcançaram certa melhoria no trabalho. De carregar as roupas nos ombros, passaram a transportá-las em carrinhos de mão; posteriormente, em um fusca marrom comprado pelo casal. Um verdadeiro clássico da época. Mônica afirma que apesar de terem tido pouco estudo, seus pais são pessoas muito inteligentes, com um perfil empreendedor, de modo que ainda hoje são comerciantes. “Acho que foi esse risco assumido por muitos nordestinos que vieram atuar no comércio paulista que contribuíram para tornar essa cidade em uma potência", pontua.


A jornalista não pôde conter as emoções ao se lembrar de sua trajetória e expressou seu orgulho por seus pais em lágrimas e com as seguintes palavras: “eu sinto muito orgulho dos meus pais. Ainda que não tenham tido grandes oportunidades, eles trabalharam demais pela minha educação e pela do meu irmão. O mínimo que posso fazer por eles é contar essas histórias de homens e mulheres que querem dar uma vida melhor a seus filhos. Pessoas que lutam tanto, mas jamais perdem a alegria”.


A relação da jornalista com o tema migração nordestina


Crescer em uma vizinhança e uma parentela nordestina faz com que a criança note o impacto da migração e a diferença entre o tratamento para com os retirantes a partir de estereótipos e do preconceito existente. No caso de Mônica, essa percepção a levou ao jornalismo, à fotografia e ao amor por histórias. Ela começou a trabalhar no Museu do Futebol, onde atuou por 10 anos, reportando momentos históricos do esporte bem como entrevistando personalidades e fãs.


Essa experiência a fez notar quão importante é contar histórias, mas, principalmente, conhecer a sua própria. Desse modo, em 2019, Mônica decide fazer um mochilão com sua mãe por algumas partes da terrinha afim de descobrir as suas origens. Câmera na mão, microfone na lapela e pé na estrada.


No sítio onde cresceram sua mãe e suas tias, compartilhou com sua família a memória afetiva de uma infância dura e humilde, mas cheia de alegria segundo o relato daquelas que mais do que suas parentes, se tornaram sua inspiração para a vida.


“Ali eu pude entrevistar minha mãe e minhas tias em frente aquela casa em que elas cresceram. Com isso, deu para eu ver como era ser mulher na época em que minha mãe era pequena e como foi a infância delas. Naquela vizinhança tem uma casa de taipa muito simples, com um pé de caju na frente. Ela foi construída ano de 1954 e virou uma espécie de museu, com objetos que eram da minha avó: uma vitrola, roupas de cama, uma cama bem diferente das convencionais, é como se fosse uma plataforma de azulejos onde se dormia em cima”.


O Memorial da Migração Nordestina


Ainda em 2019, Memorial da América Latina, Mônica, engajada com o tema da dispersão de nordestinos, conheceu um migrante que ajudou a fomentar ainda mais a ideia de registrar a vida de retirantes: Chico Denis, cearense da cidade de Quixelô. “Quando a gente descobriu que os dois eram do Ceará, a gente começou a estreitar laços e idealizar um Memorial da Migração Nordestina, um espaço virtual com histórias de nordestinos dispersos de seus estados natais para São Paulo”, conta Mônica.


Esse engajamento se somou a questões relacionadas a existência de estereótipos e ideias distorcidas sobre o povo nordestino, então, nas redes sociais, foi iniciado o Memorial. Além de histórias como a contagem de histórias semelhantes à de Margarida, a página tem formado uma rede de artistas, pesquisadores e pessoas que gostam do tema para constituir um acervo não só digital, mas também físico.


Segundo a idealizadora, esse processo de tornar o Memorial um lugar físico está em andamento: “nós já estamos trabalhando para executar isso, para hospedar relatos de migrantes, de filhos e netos de retirantes que carregam essa contextualização histórica. Muitas vezes a gente segue esse fluxo de buscar melhores condições de vida e nem imaginamos que as histórias de nossos parentes também giram em torno disso. Se você olhar para os centros urbanos e para as periferias e centros, vai achar muitas descrições parecidas e diretamente relacionadas a nós.

 
 
 

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